Crónica de Alexandre Honrado | Haverá um Brasil horrível à nossa espera?

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HAVERÁ UM BRASIL HORRÍVEL À NOSSA ESPERA?

 

Há efeitos surpresa na sociedade atual que merecem um vagaroso tempo de análise de reflexão.

Como é que chegámos aqui, muitos se interrogam, e todavia parece que o caminho foi de todos, com todos, empurrando-se todos pelo pequeno terminal do funil, depois de atrás ficar esquecida a entrada grande que nos trouxe aos apertos.

O resultado é miserável: programas de televisão pouco mais que pornográficos, corrupção nos locais mais inesperados, a troca da saudável sensação de praticar ou ver desporto por uma argamassa fétida de oportunismos e oportunistas, jovens que atacam outros jovens, casais que se agridem e matam como terroristas incultos de fim de mundo, gente que parecia confiável e portar-se de um modo que nenhum animal digno do nome partilharia ou copiaria, notícias falsas, líderes políticos que negam o que fizeram há poucos anos, como se a impunidade fosse a compensação deste enorme Alzheimer que nos ensombra e apaga dia a dia.

Ao contrário do que se possa pensar, o facto de todos nós estarmos de costas voltadas para a prática política, até os políticos que a trocam pela prática dos negócios, dos mercados, do enriquecimento rápido, apesar de todos nós desdenharmos da prática política e dos seus protagonistas, mesmo os que vivem apenas do ato político, essas mesmas atitudes de menosprezo e desdém que tantos cultivamos com uma acidez, um orgulho cabotino e uma falsa superioridade que não é mais do que um complexo inominável, são a nossa forma política de ser e de construir uma interdependência crescente baseada nos fracos e nas fraquezas. Em nós, os fracos; e nas fraquezas, as nossas.

O grande fracasso inicial foi aceitar o paradigma bipolar: o nós e o eles. Nós, os da auto-compaixão, as apregoadas vítimas do sistema que criticamos e eles, os que têm o sistema e que agem por nós – e não já em nosso nome. Nós, os que cuspimos e desdenhamos e eles, que não sabem o nosso nome, nem o que somos realmente. Nós, os que não votamos – e eles, que mendigam o nosso voto. Todavia, nós somos eles, também quando lesamos os outros com as nossas decisões. E a ausência de decisão – esse conformismo cobarde – é uma decisão.

Quando não nos batemos pelas causas, quando não subvertemos o que está estipulado e parece imutável, quando não empreendemos o braço de ferro, mesmo se aparentemente o nosso braço for como o caule tenro da planta e o deles pareça um tronco grosso, estamos condenados. Porque o nosso sistema é o único capaz de reequacionar-se, de transcender-nos e transcender.

Nasci num país com um ditador, um partido único, uma polícia política, prisões cheias, campos de concentração, uma guerra colonial que durou dezenas de anos e que nunca nos foi compensada, mães que choraram os filhos, filhos que perderam os pais que em certos casos nem conheceram, irmãos que não se reconheceram, crianças que cresciam com medo da sorte e muita pouca sorte a matar-nos desde criança.

Hoje, damos tudo por adquirido. Questionamos tudo, julgamos tudo, com pouca seriedade. Temo que haja um Brasil em nós, desses que prefere escolher o horror, a vencer o terror com práticas fluídas. Quem diz um Brasil diz uma Hungria, uma Polónia, a nova Rússia desesperadamente autoritária, uns Estados Unidos de arena circense com o seu super-clown perigoso e imprevisível, aquela China do comunismo capitalista, os outros que podiam vir aqui dar-se como exemplo deste bestiário assustador.

Temo que exista um futuro amargo, por não entendermos o paladar deste presente.

 

Alexandre Honrado

Historiador

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